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09/12/2025

O Triste Fim de Policarpo Quaresma: O Guia para desistir do Brasil de uma vez por todas

O triste fim de policarpo quaresma capa
Capa sem sentido da minha cópia de R$1,99 da editora "Ingrid Almeida". Nela vemos um soldado segurando um frasco (??) e outros soldados portando armas que não existiam na época do livro. Ao fundo, aviões, sendo que no livro inteiro não há nenhuma menção a eles

No embalo da releitura de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", resolvi ler logo outro livro nacional que estava no meu backlog há muito tempo, aguardando a sua vez: O Triste Fim de Policarpo Quaresma.

Auto-publicada em 1915, em formato de livro, após ter sido lançada em folhetim nos jornais em 1911, a história se desenrola em 1892 durante o governo de Floriano Peixoto.

A história, para mim, tinha altos e baixos no começo. As partes boas eram as focadas no protagonista, o "Major" Policarpo Quaresma, e em seu nacionalismo ufanista e cômico em relação ao Brasil. Conhecendo o país praticamente apenas por livros que o exaltavam, Quaresma tinha apenas conhecimento teórico das "maravilhas" brasileiras e nenhum prático, criando um nacionalismo vazio dentro de si.

As partes que eu julgava um tanto chatas eram as que focavam nos demais personagens da trama, como Ricardo Coração dos Outros, Adelaide (irmã de Quaresma), Olga (sua afilhada), Ismênia, General Albernaz, Dr. Genelício e Floriano Peixoto, o nosso ex-presidente/ditador da vida real.

No entanto, conforme a leitura foi andando, foi me afeiçoando ou odiando cada um deles e também entendendo o motivo de cada um estar ali na história. Ismênia, por exemplo, mostrava como a mulher de classe média tinha como principal intuito da vida se casar e nada mais; Olga, por outro lado, era a mulher forte e de pensamento crítico, que admirava o padrinho mesmo sem entendê-lo; General Albernaz, um militar fútil que vive de aparências, sempre contando vantagem sobre guerras das quais não participou; e Floriano Peixoto, o político que só pensa em como manter o poder para si próprio e em como se livrar de seus opositores, sem qualquer projeto de desenvolvimento do país (continua atualíssimo até hoje).

O livro é dividido em três partes: na primeira, Policarpo se decepciona com a cultura brasileira após sugerir em uma carta publicada em um jornal que a língua oficial do Brasil fosse o Tupi-Guarani, porque a língua portuguesa era uma língua emprestada pelos "donos" do idioma. Por isso, acabou sendo humilhado e internado em um hospício.

Na segunda, já aposentado, ele com o seu sítio chamado "Sossego", onde pretende viver da terra, pois afinal, lera que o Brasil tinha as terras mais férteis do mundo. Após gastar muito dinheiro e suor para tornar suas terras produtivas (porém, nem tanto assim, como iria descobrir), acaba sendo vítima da politicagem local, a qual se negou a apoiar qualquer lado da disputa, e também das saúvas. Acabou sendo atacado pelas formigas e pela burocracia estatal usada em retaliação.

Na terceira e última parte, já um tanto desacreditado do Brasil, ainda assim atende ao chamado do governo para lutar na Revolta da Armada, que eu confesso não me lembrava mais que tinha acontecido, num embate entre exército e marinha, onde o primeiro lado defendia a permanência do Floriano Peixoto na presidência, e o segundo que queria que novas eleições fossem convocadas.

Policarpo fica do lado de Floriano Peixoto porque vê nele um homem forte capaz de criar um modelo de desenvolvimento para o Brasil e também porque via a Revolta da Armada como uma ameaça à nossa ainda jovem república.

Desnecessário dizer que, novamente, ele quebrou a cara. Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, não passou de um ditador enrustido que foi o responsável pelo triste fim de Policarpo Quaresma, por conta de críticas que ele fez em carta endereçada a Floriano.

Por volta das últimas 40 páginas, o livro ganha uma noção de urgência e revolta que praticamente me grudou nele. Lima Barreto torna a história de Policarpo bastante pessoal e, praticamente, faz um discurso indignado contra tudo o que havia de errado naquele início de república brasileira. 

É uma revolta que encontra eco até hoje, que encontra o clímax no desfecho de Policarpo, onde fora abandonado por todos (com exceção do seu amigo Ricardo Coração dos Outros e de sua afilhada Olga), e que ficou ainda mais significativa após estudar um pouco sobre a triste vida de seu autor, Lima Barreto, nascido pobre, negro, filho de mãe escrava que morreu cedo, alcoolátra, depressivo, sofreu o pão que o diabo amassou durante sua internação em uma clínica psiquátrica, ignorado durante muitos anos pela crítica literária e pelas editoras da época, pela academia brasileira de letras*, porém ainda assim consegui se tornar um dos maiores, quiçá o maior nome da literatura brasileira.

Se você é uma das muitas pessoas que têm preguiça de ler clássicos, provavelmente a culpa é do nosso sistema de ensino que nos obriga (ou ao menos obrigava na minha época) a ler Iracema ou A Moreninha no ápice dos nossos hormônios explodindo, de uma chance a esta obra de Lima Barreto

A linguagem é acessível (uma das características da literatura do autor), há opções de preço e formato para todos os bolsos (eu paguei R$1,99 na minha cópia para o Kindle), e o livro não é muito longo e o tema é atual até hoje. Aliás, se, após a leitura deste, você ainda tiver o mínimo de resquício de crença de que "o Brasil é o país do futuro", o que as coisas vão melhorar se as pessoas "votarem certo" nas próximas eleições, você não leu O Triste Fim de Policarpo Quaresma prestando a devida atenção. Releia-o.

O triste fim de policarpo quaresma
Imagem gerada por IA

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*com letras minúsculas mesmo, mal sabia ele que mais de um século depois isso seria um verdadeiro livramento. Imagine Lima Barreto dividindo a ABL com alguém que fala "pretuguês".

PS: Além da minha versão de R$1,99 (sem o nome da editora, com a capa sem sentido e com diversos errinhos de digitação/diagramação), está disponível também no Kindle Unlimited em uma versão da editora Antofágica que, creio eu, seja melhor do que a que eu comprei, que além dos errinhos que eu mencionei também não conta com nenhum material de apoio. 

PS2: Por algum motivo, mesmo antes de ter lido o livro, eu tinha gravada na cabeça uma frase: "Ou o Brasil acaba com as saúvas ou elas acabam com o Brasil". Só que não tem essa frase no livro inteiro!

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