Acredite ou não, eu nunca tinha lido nenhuma HQ do Doutrinador, lançado lá no ano de 2013 na forma de webcomics, antes deste final de ano de 2025, e posteriormente lançado de forma encadernada sob o título "O Doutrinador Definitivo 2013-2018".
Dito isto, estou lendo já um pouco distante do contexto histórico onde ela foi originalmente lançada, o que faz diferença no entendimento do período em que ela foi concebida. Mas, ao mesmo tempo, não faz porque praticamente nada mudou no panorama corrupto da política brasileira. Ou até posso dizer que mudou, porém para ainda pior.
Em 2013, o Brasil via no noticiário a prisão dos condenados no Mensalão. No ano seguinte, víamos começar a Operação Lava Jato, que resultaria nos anos seguintes na prisão de vários políticos, doleiros e empresários corruptos.
Corta para 2025, todos os corruptos estão soltos e alguns já de volta ao poder, inclusive na Presidência da República.
Personalidades e militantes da esquerda nacional e mundial comemoram o assassinato de seus adversários políticos.
Toda a discussão em torno da HQ, em que diziam que o Doutrinador era um extremista conservador que queria assassinar seus oponentes ideológicos, fica esvaziada. Aqueles mesmos que condenaram tais atos na ficção aplaudem ou se calam diante das barbáries praticadas na vida real.
Apesar de ter sido a primeira história em quadrinhos brasileira de ação a ganhar adaptação para o cinema e série de TV, o que configura um grande fenômeno até hoje não repetido, "O Doutrinador" é completamente ignorado pelos Gibitubers brasileiros, com raras e honrosas exceções.
Não convém falar muito da arte da HQ, um tanto pobre, como o próprio autor Luciano Cunha admite no prefácio da obra. Os desenhos aqui não têm função estética, mas apenas narrativa. E funciona.
Da mesma forma que o Justiceiro da Marvel se revoltou contra o crime organizado nos seus Estados Unidos ficcionais, o Doutrinador se revoltou, como a maioria do povo brasileiro, contra a corrupção recorrente dos nossos políticos, que transbordou do mundo real e ganhou forma no mundo ficcional do personagem.
Nele, cansado de ver os políticos saindo impunes crime após crime, o nosso justiceiro mascarado resolve fazer justiça com as próprias mãos.
Não existe corrupto pequeno ou grande demais para ele. O Doutrinador instaura o medo nos corações dos corruptos, que tentam matá-lo a todo custo.
Por que será que isso revoltou tanta gente?
Alan Moore não propôs o mesmo com seu aclamado "V de Vingança"? Uma revolta violenta contra o sistema?
Claro, não estou comparando Alan Moore, um gênio dessa sétima arte, com Luciano Cunha, tudo nas suas devidas proporções, mas a proposta é realmente tão diferente assim?
Ah, é verdade, o personagem do bruxo inglês luta contra o "facismo". E o próprio autor é (ou ao menos era no passado) assumidamente comunista, então isso lhe garante uns bons pontinhos com a beautiful people.
O mascarado tupiniquim luta apenas contra corruptos que roubam bilhões dos brasileiros todos os anos, os relegando à miséria e mendicância financeira, moral e intelectual.
Me desculpe, o leitor que chegou até aqui, mas perdi o foco e pouco falei da história em si. Mas é que ela é real demais e me desviou da ficção.
Ela é boa, te entretém e te entrega a catarse necessária. Deixa o leitor com aquela boa sensação de que queríamos que ao menos os políticos tivessem medo do povo do mesmo jeito que tem do Doutrinador.
Mas sabemos que isso é apenas uma peça de ficção.
Se você se revolta com as coisas que acontecem na política, no judiciário e na mídia do nosso país, e sabe diferenciar uma obra de ficção da realidade (como você soube muito bem fazer em "V de Vingança", não é mesmo?), vale muito a pena a leitura.


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